DESPEDIDA

Claro que te chamarei
De qualquer lugar onde esteja
Te chamarei da península
Da infância quase a cindir-se
Do istmo da inframemória.
Te chamarei do anteontem
Do futuro mais-que-perfeito;
Te chamarei da inausência
Estufa da indiferença;
Te chamarei dos tecidos
Vasculares da esperança;
Te chamarei das infebris
Fibras do meu coração;
Te chamarei do meu seio,
Do punhal do meu desprezo;
Te chamarei da geografia
De ódio, ternura e inconsciência;
Te chamarei da crueldade
Com que te fiz protomártir
Do amor, o' mal-amado!

Te chamarei das circulares
Pistas do aturdimento;
Do pasmo com seus extravios
Pelos alçapões do estonteio.
Te chamarei da imanência
Da noite nas minhas veias;
Te chamarei dos meus lunares
Ciclos sem lua, purpúreos;
Do meu tombadilho inaufrágil
Sem navio, sem gaivota, sem mar;
Da minha Via-Láctea sem céu;
Te chamarei do meu pecado
Urdido de nua inocência;
Te chamarei do poente
(Nunca da madrugada...)
Pois, embora mulher do Oriente,
Sou com o Ocaso esposada.

Te chamarei bem de dentro
Das câmaras do meu espelho,
Quando, inatenta, a despir-me
Vir-me bela e recusada;
Te chamarei da plenitude
Do vácuo irônico do sonho
E eu estiver deambulando
Pelos dúbios subúrbios do sono,
Alheada da minha âncora
Do liame até do meu nome
Tecido de trêmolorizonte.

Te chamarei da renúncia;
Da derrota dos meus triunfos,
Da flâmula febril içada
À vitória dos meus desastres.
Te chamarei do meu silêncio
Quando, sênsil, estiver bordando
Silhuetas do tempo escoado.
Te chamarei da minha dor
E, a lavar-me os cabelos,
Espremer das corvolutas
Água mais o meu pranto,
Sentindo na boca o travo
Doce-amargo do auto engano.

E até mesmo me lembrarei
De te chamar do esquecimento;
Da vida perdida, mas ganha
Pela hipnose de continuar;
Te chamarei da mentira,
Da verdade de te desamar,
A ti que, para me seguir,
Não hesitarias, num lance,
Teu existir em arriscar.

(Oswaldino Marques)

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