O PLENO E O VAZIO
Oh
se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outra seria minh'alma,
bem diversa minha face.
Oh
como esqueço e quanto.
E se não me esquecesse?
Seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.
Oh
como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor meus disfarces?
Que
caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?
(Carlos Drummond de Andrade)
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