QUANDO EU NÃO TE TINHA

Quando Eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora Amo a Natureza
Como um monge calmo a Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até a beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim.
Por tu existires, vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e para te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Por que ainda o sou.

FERNANDO PESSOA (Alberto Caeiro)

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