MEIRELES (Cecília), poetisa brasileira, nasceu no Rio de Janeiro em 7 de janeiro de 1901. Em 1910, concluiu o curso primário e, sete anos depois diplomou-se professora primária e passou a desenvolver intensa atividade como educadora. Estudou também línguas, canto, violino. Aos dezoitos anos lançou o livro de poemas Espectros, pelo qual recebeu elogios da crítica especializada. Em 1934 organizou a primeira biblioteca infantil do país. Em 1935 foi nomeada professora de Literatura Luso-brasileira e, depois, de Técnica e Crítica Literária na Universidade do então Distrito Federal.
Cecília Meireles faleceu no dia 9 de novembro de 1964, em pleno apogeu de sua atividade literária. Recebeu, post mortem, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.
De fina espiritualidade, sua poesia, sem deixar de ser moderna, mergulha raízes nas essências do simbolismo, caracterizando-se, no plano formal, pela riqueza de recursos estilísticos.
Obras principais:
Viagem (1938); Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); Romanceiro da Inconfidência (1953); Solombra (1964).

 

Conheça um pouco a obra de Cecília Meireles

Interlúdio
Venturosa de sonhar-te
Da Solidão
Serenata

INTERLÚDIO

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

 Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado. 

Fico ao teu lado.

VENTUROSA DE SONHAR-TE

Venturosa de sonhar-te,
à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda parte,
mas, amor, só no meu peito!)

– Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro, que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!

Em barca de nuvem sigo:
e o que vou pagando ao vento
para lever-te comigo
é suspiro e pensamento.

– Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!

DA SOLIDÃO

Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão. Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do céu desabasse sobre a sua cabeça. como se todos horizontes se levantasse o anúncio do fim do mundo.
No entanto, haverá na Terra verdadeira solidão? Não estando todos cercados por inúmeros objetos, por infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios de idéias que impedem uma total solidão?
Tudo é vivo e tudo fala em redor de nós, embora com vida e voz que não são humanas, que podemos aprender e escutar, porque muitas vezes essa linguagem secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros, podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos enriquecidos.
Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos à procura de ângulos, jogos de luz, eloqüência de formas, para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais estático dos seus aspectos, mas também o mais comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de transmitir aquilo que excede os limites físicos desses objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua alma.
Façamo-nos também desse modo videntes: olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das caldeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a graça das proporções: muitas vezes seu aspecto - como o das criaturas humanas - é inábil e desajeitado. Mas não é isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a carga de experiências que representam, e a repercussào, nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis séculos.
Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas variadas coisas, já que, que por egoístas que somos, não sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos. Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis, quando começavam a descobrir o mundo, as nervuras das madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas horizontes; os desenhos dos azuleijos; o esmalte das louças; os tranqüilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da água que corre, os sons das máquinas, inquieta voz dos animais que desejaríamos traduzir.
Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências. A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado, presente, futuro, pelo qual transitamos, atentos ou distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com violência; que aceita nossa frivolidade ou o nosso respeito; que espera que o descubramos, sem se anunciar nem pretender prevalecer, que pode ficar para sempre ignorado, sem que por isso deixe de existir: que não faz de sua presença um anúncio exigente "Estou aqui estou aqui". Mas, cocentrado em sua essência, só se revela quando os nossos sentidos estão aptos para o descobrirem. E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia, generosa e invisível.
Oh! Se vos queixais de solidão humana, prestai atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que conversará convosco interminavelmente.

SERENATA

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

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